Parecia não ter fim
aquela chuva que começara próximo ao por do sol, caiam relâmpagos
e trovões estrandecentes na floresta, animais, curumins e índios
estavam paralisados em suas ocas, todos respeitavam a força de Tupã.
Muitos índios acreditavam que ele castigava a tribo com a pior
doença: a escassez da caça, a qual automaticamente provocava a
doença da fome. Muitos índios
suspiravam os seus últimos momentos. De um a um “iam ao encontro”
de Tupã.
- Vou até o centro da
mãe natureza falar com Tupã. Vou pedir pra ele acabar com o nosso
sofrimento, tenho certeza que Tupã mostrará misericórdia ao nosso
povo e apontará uma saída.!
Itaki olhou para o
curandeiro, (o médico da tribo) e o chamou para acompanhar-lhe mata
adentro, assim o fizeram. A chuva não dava trégua, os dois já
andavam por mais de 10horas e não chegavam ao objetivo, o sol já
dava os primeiros sinais do chegar do dia. De repente Itaki olhou
para o curandeiro e disse:
- Venha comigo Guaracy
já chegamos. Não fale nada.. Fique de joelhos e de cabeça
abaixada, agora vou invocar o grande Tupã pra pedir-lhe conselhos.
Itaki, segurou o seu
amuleto e em alto e bom som bradou respeitosamente a Tupã, dizendo o
seguinte:
Tupã!!!Tupã!!
Por favor, fale comigo, escute minhas súplicas, mostre um caminho,
pra salvação do meu povo. Eles estão morrendo de fome! se quiseres
te darei a minha vida, mas faça o meu povo sobreviver a essa
moléstia de fome, daí-nos caça novamente!
Após alguns chamados,
redundantemente suplicantes de Itaki, ouviu-se uma voz forte, que
tornava-se Inexplicavelmente suave dizendo o seguinte:
- Vocês esqueceram-se
de mim! Desprezaram a mãe natureza, tiraram vidas de animais
inocentes, por isso tirei quase todo o alimento das florestas, mas
como sou benevolente, ouvi suas súplicas. Por isso farei um acordo
com a sua tribo: “nenhuma criança poderá nascer em sua aldeia,
durante um período de dez luas minguantes. Se nascer uma só
criança... ela deverá ser sacrificada, para lembrarem que eu
existo, nesse período vocês também deverão cuidar muito bem da
mãe natureza. Mas, para a tua alegria e a tua tristeza, acharás na
décima lua minguante uma palmeira e chorarás aos pés do teu
achado. Essa palmeira receberá o nome de trás para frente daquela
que sorri para o alto, se tudo for cumprido como acordado tua tribo
nunca mais terá fome.
- Muito obrigado Tupã,
eu aceito e cumpriremos esse acordo, tenho certeza que não lhes
decepcionaremos - Disse Itaki.
Emocionado e feliz o
cacique pegou no braço do curandeiro o levantou e voltaram à
aldeia. Itaki reuniu todos os membros da aldeia: mulheres, curumins,
guerreiros e sábios. Em seguida informou o pacto que havia feito com
Deus Tupã.
Daquele dia em diante
o pacto tornou-se lei, quem o desobedecesse pagaria com as normas
pactuadas com o Deus Tupã. Após o anuncio de Itaki todos
sinalizaram positivamente e se comprometeram a cumprir o pacto que
tornou-se LEI.
Passados nove luas
minguantes descobriu-se o inesperado. Iaçá a filha predileta de
Itaki de aproximadamente 17 primaveras, de cabelos escuros e lisos
como um sarapó, olhos pretos, e pele macia como de um coelho, estava
grávida. Quando a tribo descobriu a gravidez de Iaçá, todos os
índios saíram para fora de suas ocas e começaram a chorar, por que
sabiam que esse ato inesperado quebrava o acordo feito com o Deus
Tupã. A única alternativa seria sacrificar a criança.
Itaki passou vários
dias enclausurados em sua oca pensando no que iria fazer. Quando
ouviu o choro de nascimento da neta, também chorou, gritou em
silêncio para que ninguém ouvisse ou visse o seu sofrimento,
amassou fortemente o amuleto que carregava em seu pescoço, até
ferir-lhe a mão. Passados sete dias Itaki saiu de sua oca, foi até
o local no qual encontrava-se Iaçá, ela estava feliz e sorridente
pois ainda encontrava-se com a filha nos braços.
Sem alternativas Itaki
pegou a neta nos braços e mandou reunir a tribo, quando todos
estavam presentes, inclusive Iaçá, o cacique da tribo disse em alto
e bom tom:
- A mesma lei aplicada
às famílias dos caçadores, dos guerreiros, dos sábios e dos
curandeiros, serve pra a família do Cacique. Nasceu uma criança
inesperada, mesmo sendo a minha neta, não posso contrariar Tupã.
Por isso, curandeiro, leve a menina pra pedra de sacrifício e a
envie a Tupã.
Iaçá por mais que
estivesse ciente do pacto firmado com o Deus da tribo, gritava e
chorava pedindo clemência ao pai e ao Deus Tupã, mas de nada
adiantou, a filha de Iaçá foi sacrificada para preservar o pacto
feito com o Deus Tupã. Após o sacrifício Iaçá perdeu o sorriso
do rosto, parou de comer, não sentia gosto para nada, todos os dias
ela chorava diuturnamente, vivia enclausurada em sua oca. Itaki
olhava para a filha, a compreendia e sempre pedia para ela esperar um
pouco mais, pois logo, logo a lei seria revogada e poderia engravidar
novamente.
Mas, antes que isso
acontecesse, Iaçá ouviu um choro vindo da floresta, sentou-se e
ficou esperando para ver se não estava delirando, minutos depois
ouviu novamente e com maior intensidade. A índia tinha certeza que
era o choro de sua filha que fora sacrificada, então Iaçá
levantou-se, saiu da oca e seguiu o som do choro mata adentro. Andou
por mais de três dias, certa noite viu ao pé de uma Palmeira, um
vulto e o choro intenso, Iaçá rodeou a palmeira por várias vezes
até cansar e cair ao pé da Palmeira, em sua queda olhou para cima
sorriu e disse:
- Vida! Filha!!! Vida!
Obrigado meu Deus Tupã.
Após essas palavras
Iaçá foi ao encontro de Tupã.
Itaki estava muito
preocupado com o desaparecimento de Iaçá. O cacique e vários
guerreiros da aldeia, procuravam na floresta a jovem iaçá há
alguns. Quando todos se preparavam para voltar à aldeia um índio
gritou:
- Cacique Itaki!
Cacique Itaki!!Achei, Achei a jovem Iaçá.
Todos correram ao
encontro do chamado, viram a jovem morta, ela estava sorrindo e com
os olhos abertos, como se indicasse alguma coisa boa. Itaki
aproximou-se e disse:
- Filha! Filha, foste
abençoada por Tupã, partistes com o sorriso na alma.
Itaki, olhou para o
alto, na mesma direção apontada pelo sorriso de Iaçá, e viu
vários frutinhos, em seguida chamou um Índio , que rapidamente fez
uma peçonha, subiu na palmeira e apanhou um cacho das frutinhas e os
entregou ao cacique, curiosamente Itaki olhou ao seu redor, viu uma
imensa variedade dessa Palmeira e compreendeu os fatos:
- A partir de hoje,
todos podem ter filhos novamente, pois Tupã nos mostrou o alimento
que prometera há algumas luas atrás, quando ele me falou: “para a
tua alegria e a tua tristeza, acharás na décima lua minguante uma
palmeira e chorarás aos pés do teu achado. Essa palmeira receberá
o nome de trás para frente daquela que sorri para o alto”. Por
isso o nome desse fruto será Açaí, de trás pra frente Ìaça. Bem
como cuidaremos cada vez mais da nossa natureza para nunca mais
faltar alimento pra nossa aldeia. Vamos pegar da terra somente o
necessário, vamos cuidar e plantar cada árvore derrubada.
E assim foi feito a
tribo de Itaki nunca mais passou fome, pois cuidavam muito bem da
natureza, a caça e a pesca tornou-se novamente abundante. A palmeira
de Açaí tornou-se uma planta sagrada, o vinho do açaí passou a ser misturado há
uma iguaria chamada farinha. O açaí tornou-se o prato típico da
família indígena. Todos os curumins que nasciam na aldeia de Itaki
tomavam uma cuia generosa de açaí para tornarem-se os guerreiros
mais fortes e mais sábios da região, eles também tornaram-se os
principais protetores e preservadores das terras do Açaí.
Asarias Favacho de
Freitas
Belém,
março de 2013.
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